Metais Preciosos

A Prata na Antiguidade

A Prata na Antiguidade

A prata tinha grande valor e apelo estético em muitas culturas antigas, onde era usada para fazer joias, talheres, estatuetas, objetos rituais e peças brutas conhecidas como hacksilber, que podiam ser usadas no comércio ou para armazenar riquezas.

Metal preferido para cunhar moedas por longos períodos, a tomada de minas de prata em lugares como Grécia, Espanha, Itália e Anatólia foi um fator importante em muitos conflitos antigos. O metal também foi encontrado, entre outros lugares, em minas da antiga China, Coreia, Japão e América do Sul, onde foi transformado em objetos lindamente trabalhados para uso das elites e para serem oferecidos como tributo e presentes de prestígio entre estados.

Facilmente extraída, trabalhada, reutilizável e extremamente brilhante, a prata era uma das poucas mercadorias verdadeiramente internacionais que conectava e e mesmo tempo dividia o mundo antigo.

Mapa do Mundo Antigo
Mapa-Múndi Antigo. Imagem por Gerd Altmann from Pixabay

Propriedades e mineração da prata

A prata (Ag), elemento número 47 na tabela periódica,  pertencente ao mesmo grupo do cobre e do ouro, é um metal bastante maleável que pode ser polido até produzir um brilho muito atraente, dois fatores que a tornaram ideal para os antigos metalúrgicos a empregarem na produção de bens de alto valor. A prata era extraída e fundida a partir de minérios como carbonato de chumbo (PbCO3) e galena (PbS, um sulfeto de chumbo).

Os minérios geralmente contêm menos de 1% de prata, mas sua abundância e facilidade de fundição garantiram que a mineração do metal na antiguidade pudesse ser lucrativa, mesmo desde o início da Idade do Bronze. As técnicas de fundição melhoraram ao longo dos séculos, de modo que, no período clássico na Europa, até mesmo o minério de baixo teor podia ser explorado para obter as pequenas quantidades de metal que continha.

Com efeito, as técnicas de fundição progrediram tanto que na época romana já era possível regressar ao minério já tratado (chamado de escória) para dele extrair mais prata. Para fortalecer o metal, muitas vezes era ligado com um pouco de cobre.

A mineração de prata nas Américas foi feita em grande parte por meio da escavação de poços verticais no solo. Estes tendiam a ser rasos e muitos foram escavados ao longo de uma área que continha o minério. Os eixos horizontais individuais eram igualmente curtos, com apenas cerca de um metro de comprimento. Quebrado com ferramentas feitas de chifres de animais, o minério era então triturado e fundido em cadinhos de argila.

As Américas ainda não tinham a tecnologia dos foles e, portanto, as altas temperaturas necessárias para a fundição eram geralmente conseguidas com várias pessoas soprando no fogo através de tubos. Como em outros lugares, o carvão vegetal era usado como fonte de combustível.

Os metalúrgicos andinos eram especialistas em folheamento de prata e na produção de ligas que misturavam prata com ouro, cobre e até mesmo a platina, metal ainda desconhecido dos europeus na época. As obras acabadas eram frequentemente douradas ou ainda pintadas.

Disponibilidade geográfica

Na Mesopotâmia, a prata começou a ser usada a partir do 4º milênio a.C. Sem depósitos na área, a prata era importada de locais como a Anatólia, Arménia e Irã. Cidades como Ugarit, Uruk e Babilônia usavam a prata como medida de valor padrão, sendo os trabalhadores pagos, por exemplo, num peso específico de prata ou no seu valor equivalente em cereais. Os egípcios também valorizavam a prata e também a adquiriam através do comércio desde os tempos pré-dinásticos, embora os achados arqueológicos de itens de prata sejam mais raros do que em outras culturas antigas. Talvez isso se deva ao fato de os egípcios terem suas próprias fontes de ouro e apenas fontes próprias limitadas de prata.

Certamente, o valor da prata era muito mais próximo do ouro no antigo Egito em comparação com outras culturas antigas (razão de 1:2 em vez do mais típico 1:13), e houve períodos em que a prata era considerada ainda mais valiosa. No Egeu, as culturas do início da Idade do Bronze usavam prata extraída da Ática (especialmente das famosas minas de Laurion), das Cíclades, da Trácia e da antiga Macedônia.

Os fenícios, talvez os maiores comerciantes de todos na antiguidade, espalharam ainda mais o uso da prata por todo o antigo Mediterrâneo e canalizaram toneladas dela para a Ásia Ocidental, especialmente para a Assíria, principalmente na forma de barras de prata (lingotes, discos e anéis). Os fenícios adquiriam tanta quantidade de prata que ganharam uma referência de advertência na Bíblia: “Tiro amontoou prata” (Zacarias 9:2-3). Para garantir o peso e o valor, as barras eram carimbadas com marcas oficiais. Um talento fenício de prata pesava cerca de 30 quilos e valia 300 siclos. Um siclo de prata valia 300 siclos de cobre e 227 siclos de estanho. O ouro valia quatro vezes mais que a prata. A oferta e a procura afetaram o valor das mercadorias tal como acontece hoje, e o excesso de oferta de prata no Oriente Próximo causou uma queda no valor da prata no século VI a.C.

Ruínas das minas de prata de Laurion, Grécia
Ruínas das minas de prata de Laurion, na Grécia Antiga.
By Heinz Schmitz – Self-photographed, CC BY-SA 2.5.

A Atenas clássica se beneficiou da descoberta de uma nova e enorme jazida no Monte Pangaeus, na Trácia, e tanto Cartago quanto Roma tinham um abastecimento pronto das minas ibéricas e da Sardenha. Na verdade, os romanos colocaram cerca de 40.000 escravos para trabalhar nas minas de prata da Espanha. Os etruscos também não ficaram sem ela, pois tinham acesso à prata no norte do seu território, na Itália. No final do período romano, à medida que o império se expandia, a prata era extraída da Grã-Bretanha, da Alemanha e dos Bálcãs. Comercializada como moeda com os povos da Índia em troca de especiarias e produtos de luxo, foi então convertida novamente em barras.

No Oriente, as minas de prata da China foram exploradas no sul a partir do século VIII d.C, o que levou o metal a substituir a seda como principal método de pagamento em massa pelos comerciantes. No Japão antigo, a prata não era extensivamente extraída até ao século XVI d.C., mas quando o foi, o metal tornou-se um método de pagamento prático para os comerciantes portugueses, que rapidamente a gastaram no seu comércio com a China. Tanta prata foi para os bolsos dos comerciantes europeus – 20 toneladas por ano – e as minas foram exploradas a tal ponto que o governo japonês limitou a retirada de prata do país a partir de 1668 d.C.

Nas Américas, embora os antigos maias tivessem ouro em abundância, não tinham prata própria digna de menção, mas esta era encontrada em abundância mais ao sul, nos impérios dos Incas e dos seus antecessores. Com abundantes suprimentos extraídos do norte da América do Sul (especialmente da Colômbia e Equador), as culturas Moche, Wari, Lambayeque e Chimu produziram prataria da mais alta qualidade.

Para os Incas, assim como o ouro era considerado o suor do Sol, a prata era considerada as lágrimas da Lua. A raridade e o prestígio do metal fizeram com que seu uso fosse restrito à nobreza; os plebeus tinham que se contentar com produtos feitos de cobre ou bronze.

Taças Cerimoniais em Prata da cultura Chimú, no Peru
Taças Cerimoniais em Prata da cultura Chimú, no Peru, c. 800 a 1300 d.C.
Expostas no Museu Larco, em Lima. Foto do autor.

Usos da prata

Não tão valiosa quanto o ouro, a prata era, no entanto, usada para os mesmos fins, porém em maior escala. A maioria das culturas antigas se beneficiou de artesãos especializados, muitas vezes trabalhando para a casa real e tendo uma área dedicada da cidade para produzir as suas maravilhas brilhantes. Joias, utensílios, vasilhas, pratos, pimenteiros, panelas, estatuetas, máscaras e objetos de decoração eram confeccionados em prata. A prata, devido ao seu alto valor, era amplamente utilizada em objetos relacionados a rituais religiosos, como queimadores de incenso, recipientes de relíquias e oferendas votivas ou dedicatórias.

Produtos têxteis eram bordados com fios de prata e peças de roupa tinham peças de prata costuradas. O metal também foi amplamente utilizado como material de incrustação em itens como armas, armaduras, móveis e vasos de metal.

Hacksilver

Muito antes do surgimento das moedas, a prata na forma de lingotes e pedaços brutos era um método comum de pagamento para comerciantes e estados. Esta última forma, conhecida como hacksilver (ou hacksilber), também era usada como método para armazenar riqueza e era frequentemente enterrada, levando a descobertas arqueológicas espetaculares de tesouros há muito escondidos. Sendo grosseiramente cortado de joias antigas, lingotes e basicamente qualquer coisa feita de prata pura, o hacksilber era pesado cada vez que uma transação era feita, o que muitas vezes resultava em peças sendo cortadas repetidas vezes para atingir o peso exato exigido e, como resultado, as peças iam ficando cada vez menores.

A prática era comum no Oriente Próximo, no Egito e no antigo Mediterrâneo ocidental até o século IV a.C, quando a cunhagem de moedas a substituiu em grande parte.

Lingotes de prata e prata sem peso padronizado específico foram usados ​​​​na Índia antiga do século VIII ao VII a.C. Pequenas barras dobradas são típicas e, a julgar pelos seus diferentes pesos, pedaços menores provavelmente foram cortados delas antes que a cunhagem se tornasse comum.

Hacksilver (prata viking)
Uma seleção de hacksilver Viking do tesouro Cuerdale no Museu Britânico. Enterrada por volta do ano 905, encontrada em 1840.

Muitos tesouros de hacksilver incluem também moedas de prata e, portanto, ilustram a transição gradual de uma forma de armazenamento de riqueza para outra. A Espanha, em particular, foi uma área onde o hábito de usar pedaços de prata persistiu até o século I a.C. Com o fim do Império Romano, a produção de moedas caiu drasticamente e o hacksilver foi, mais uma vez, o principal meio de manter a riqueza e pagar pelos bens. Os vikings, especialmente, eram grandes poupadores de moedas de prata picadas, se a quantidade de tesouros descobertos na Europa Central, na Grã-Bretanha e na Escandinávia servir de referência.

Moedas de Prata

Um dos usos mais comuns da prata ao longo da antiguidade foi para a cunhagem de moedas. Durante o século VI a.C, as primeiras moedas foram cunhadas na Lídia, feitas de um material chamado de electrum, que é uma liga natural de ouro e prata, ou ainda de ouro puro ou prata pura. Elas eram carimbados com um desenho do estado como marca de sua autenticidade e peso. Assim nasceram as primeiras moedas do mundo.

As primeiras moedas gregas apareceram em Egina c. 600 a.C (ou talvez até antes), eram de prata e usavam o desenho de uma tartaruga como símbolo da prosperidade da cidade baseada no comércio marítimo. Atenas e Corinto logo seguiram o exemplo de Egina. Discos de prata aquecidos eram martelados entre duas matrizes gravadas com os desenhos.

O nascimento da moeda na Grécia em geral, porém, não foi realmente uma invenção de conveniência, mas uma necessidade, motivada pela necessidade de pagar soldados mercenários. Esses guerreiros precisavam de uma forma conveniente de pagar seus salários, e o estado precisava de um método de pagamento que pudesse aplicar igualmente a todos.

Por volta de 510 a.C, o rei Dario I introduziu a cunhagem na Pérsia, que incluía o siclo de prata pesando cerca de 5,5 gramas. Os mestres do comércio, os fenícios, preferiram durante muito tempo a aceitabilidade universal das barras de prata onde quer que os seus tentáculos comerciais chegassem, mas, eventualmente, também sucumbiram ao progresso. As primeiras moedas fenícias foram cunhadas em Kition em c. 500 a.C, depois em Biblos em c. 470 a.C. Outras cidades logo seguiram o exemplo, com Sidon e Tiro introduzindo moedas de prata por volta de 450 a.C.

A cunhagem resolveu um problema, mas introduziu outro, levantando a interessante questão da pureza do metal. Os antigos não conheciam o conceito de elementos químicos e suas propriedades inerentes, mas as fundições, pela necessidade de criar moedas de peso padronizado, conseguiam atingir uma pureza de prata em torno de 98%. As moedas de prata tinham um valor relativamente alto, talvez igual ao trabalho de uma semana para a maioria dos cidadãos. Somente no período helenístico as denominações menores se tornaram mais difundidas.

As primeiras moedas de prata romanas foram produzidas no início do século III a.C e lembravam as moedas gregas contemporâneas. Em cerca de 211 a.C, um sistema de cunhagem totalmente novo foi introduzido no mundo romano. Aparecendo pela primeira vez estava o denário de prata (pl. denarii), uma moeda que seria a principal moeda de prata de Roma até o século III d.C. Após a obtenção das minas de prata na Macedônia a partir de 167 a.C, houve um enorme boom de moedas de prata a partir de 157 a.C.

Gradualmente, à medida que os imperadores gastavam de forma mais frívola e as guerras drenavam os cofres do Estado, as moedas de prata passaram de quase puras para 70%, depois para 50%, e assim por diante, até atingirem o nível mais baixo de todos os tempos, de apenas 2% de teor de prata nas moedas cunhadas no final do império, como os Antoninianus. Esse processo de desvalorização da moeda por sua composição se chama aviltamento.

As moedas chinesas, com o seu distinto orifício central quadrado, foram produzidas pela primeira vez na segunda metade do primeiro milénio a.C., mas sempre foram feitas de cobre. A moeda chegou à Índia antiga por volta do século VI a.C. As antigas Américas não tinham cunhagem, mas a prata, como outros materiais preciosos como ouro e têxteis, era usada para fins comerciais. A prata era muito valorizada e os produtos feitos com ela eram usados ​​como presentes e homenagens, mas seu valor específico dependia de cada item e do contexto em que era oferecido.

Uma última forma de moeda, em uso na Coreia entre os séculos XII e XIV d.C, foi o vaso de prata unbyong, carimbado pelo Estado e com uma taxa de câmbio oficial com produtos básicos como o arroz; tinha o formato da península da Coreia. Infelizmente, não sobreviveu nenhum exemplo, mas sabemos, através de uma lei de 1282 d.C., que o valor de um unbyong foi fixado entre 2.700 e 3.400 litros de arroz. Apesar de sua impraticabilidade para transações menores, os vasos continuaram a ser usados ​​durante os dois séculos seguintes, até que o rei Chungyol permitiu que peças de prata ásperas ou quebradas fossem usadas no final do século XIII d.C.

Perguntas e Respostas

1. Onde foram cunhadas as primeiras moedas do mundo?

Acredita-se que as primeiras moedas do mundo tenham sido cunhadas na antiga Lídia, um reino na Ásia Menor (onde hoje é a Turquia), no século VII a.C. pelo rei Aliattes, sendo produzidas com electrum, uma liga natural de ouro e prata encontrada com abundância e facilidade na região, especialmente no rio Pactolus.

2. O que é hacksilber?

Hacksilber ou hacksilver consistia em fragmentos de itens de prata cortados e dobrados que eram usados ​​como bullion ou como moeda por peso na antiguidade e na idade média, inclusive entre os povos Vikings.

3. O que era um denário?

O Denário (Denarius) foi uma das principais moedas usadas na Roma Antiga, sendo feita de prata e criado em torno de 211 antes de Cristo. Ela foi uma das moedas de maior circulação na época, e muitas línguas modernas edrivam a raiz da palavra dinheiro da palavra “denário”, como em português e espanhol (“dinero“).

4. Quem é o maior produtor de prata do mundo na atualidade?

O maior produtor de prata da atualidade é o México, com uma produção de 6400 toneladas métricas em 2023, seguido pela China (3400 toneladas métricas) e pelo Peru (3100 toneladas métricas).
Dados: Statista – Produção de Prata por País

Licença e Direitos Autorais

Traduzido e adaptado de Cartwright, Mark. “Silver in Antiquity.” World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 19 Sep 2017. Web. 09 Aug 2024.
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